Até Quando?

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terça-feira, 3 de abril de 2012

A Companhia de Jesus




HEGEMONIA JESUÍTICA (1549-1759)

                            Sônia Maria Fonseca

É consensual afirmar que, nos trinta primeiros anos da colonização do Brasil, Portugal dedicou-se exclusivamente à exploração das riquezas sem efetivo projeto de povoamento. Os índios que ocupavam o território brasileiro, nas palavras de Pero Magalhães Gandavo,

não tinham as letras ‘F, nem L, nem R’, não possuindo ‘Fé, nem Lei, nem Rei’ e vivendo ‘desordenadamente’. Essa suposição de uma ausência linguística e de ‘ordem’ revela, um tanto avant la lettre, o ideal de colonização trazido pelas autoridades portuguesas: superar a ‘desordem’, fazendo obedecer a um Rei, difundindo uma Fé e fixando uma Lei. [...] ( Apud VILLALTA, 2002, p.332).

“Língua, instrução e livros, nesse quadro, em termos das expectativas metropolitanas, deveriam desenvolver-se sob a égide de um Rei, uma Fé e uma Lei”. (VILLALTA, IDEM).
A vinda dos jesuítas, em 1549, proporcionava assim a expansão da Fé e do Império, reunindo mercadores e evangelizadores sob a mesma empresa, tal como Antonio Vieira irá se referir posteriormente na obra História do Futuro. Com sua política de instrução – uma escola, uma igreja –, edificaram templos e colégios nas mais diversas regiões da colônia, constituindo um sistema de educação e expandindo sua pedagogia através do uso do teatro, da música e das danças, “multiplicando seus recursos para atingir à inteligência das crianças e encontrar-lhes o caminho do coração”. (AZEVEDO, 1943, p.290).
Os jesuítas tiveram grande importância no campo das artes. A propagação de um estilo jesuítico nas artes foi tamanha, que pode ser dedicado um capítulo inteiro aos jesuítas na História da Arte no Brasil.   Tal importância pode ser constatada na Carta que comunicava a supressão da Companhia, e determinava a abolição de “cada um dos seos officios, Residências (...) Costumes e Estilos”, quando das reformas pombalinas que culminaram com a sua expulsão das terras brasileiras.
Com o aprendizado das artes e dos mais diferentes ofícios adquiriram autossuficiência na fatura dos mais diversos objetos de uso pessoal e para a lida cotidiana, de pares de sapatos a embarcações para transportar os padres e irmãos entre as possessões no Amazonas e ao longo do litoral da Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A produção das reduções jesuíticas, por exemplo, tinha caráter notável. Na região dos Sete Povos das Missões, além das atividades de agricultura e pecuária, com produção de excedentes, foram construídas oficinas para fatura de instrumentos musicais, assim como para imaginária e adornos usados nos templos. Os indígenas sob a orientação de mestres jesuítas executavam a talha e a escultura em madeira e pedra, empregando em profusão elementos da flora e fauna circunvizinhas aos aldeamentos.
A adaptação aos costumes locais em respeito à diversidade das regiões sob domínio jesuítico, para a eficácia da catequese, era orientação que constava nas Constituições da Companhia de Jesus, apresentada por Inácio de Loyola, em 1550, aos padres e irmãos que estavam em Roma.
De fato, os jesuítas empreenderam no Brasil uma significativa obra missionária e evangelizadora, especialmente fazendo uso de novas metodologias, das quais a educação escolar foi uma das mais poderosas e eficazes. Em matéria de educação escolar, os jesuítas souberam construir a sua hegemonia. Não apenas organizaram uma ampla ‘rede’ de escolas elementares e colégios, como o fizeram de modo muito organizado e contando com um projeto pedagógico uniforme e bem planejado, sendo o Ratio Studiorum a sua expressão máxima. (SANGENIS, 2004, p.93)

O Ratio Studiorum ou Plano de Estudos – o método pedagógico dos jesuítas, publicado em 1599 foi sistematizado a partir das experiências pedagógicas, que tiveram início no Colégio de Messina, primeiro colégio aberto na Sicília, em 1548. A par dessa primeira experiência na Itália a disputa entre o modus italicus e o modus parisiensis foi vencida pelo último, com o predomínio do modelo da Universidade de Paris, por onde passaram muito dos jesuítas, inclusive o próprio Loyola. 
Este código de ensino ou estatuto pedagógico era composto de um conjunto de regras, que envolvia desde a organização escolar e orientações pedagógicas até a observância estrita da doutrina católica. O método de estudos contido no Ratio compreendia o trinômio estudar, repetir e disputar, prescrito nas regras do Reitor do Colégio, e como exercícios escolares havia a preleção, lição de cor, composição e desafio, práticas pedagógicas essas que remetem diretamente à escolástica medieval, configurando-se como Pedagogia Tradicional, que na sua vertente religiosa, tornava a educação sinônima de catequese e evangelização. A educação almejada pelo Ratio tinha como meta a formação do homem perfeito, do bom cristão e era centrada em um currículo de educação literária e humanista voltada para a elite colonial.


A concepção pedagógica tradicional se caracteriza por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído por uma essência humana e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a essência humana é considerada, pois, criação divina. Em consequência, o homem deve se  empenhar para fazer por merecer a dádiva sobrenatural.
A expressão mais acabada dessa vertente é dada pela corrente do tomismo, que consiste numa articulação entre a filosofia de Aristóteles e a tradição cristã; tal trabalho de sistematização foi levado a cabo pelo filósofo e teólogo medieval Tomás de Aquino [...] E é justamente tomismo que está na base do Ratio Sudiorum [...] ( SAVIANI, 2004, p. 127)

Ainda que não tenham sido os jesuítas os primeiros a pisar a Terra de Santa Cruz – vale lembrar que junto com Pedro Álvares Cabral vieram os franciscanos. Essa primazia dos franciscanos, no entanto, não legou à posteridade o mesmo alcance que tiveram os jesuítas, que durante duzentos e dez anos, a partir da chegada em 1549 até a expulsão em 1759, detiveram o monopólio da educação. É certo que esse monopólio não explica isoladamente a sanha despótica do Marquês de Pombal contra a Companhia de Jesus. Tinham os jesuítas domínio sobre as fronteiras ao norte do Rio Amazonas, e as suas missões naquela região praticavam o comércio das drogas do sertão, sendo isentas de contribuição à coroa portuguesa, e ao Sul dos rios Uruguai e Paraguai, onde havia resistência ao uso dos indígenas para povoar e defender o interior e regiões fronteiriças.
“A Companhia de Jesus foi uma das vítimas mais evidentes dos acontecimentos postos em marcha pelas pretensões imperiais do governo de Pombal e pelas tentativas de nacionalizar setores do sistema comercial luso-brasileiro.”(MAXWELL, 1995, p.42)
Em Portugal, cabia aos jesuítas o direito exclusivo de ensinar Latim e Filosofia no Colégio de Artes, curso preparatório obrigatório para ingresso nas faculdades da Universidade de Coimbra. A Universidade de Évora era também uma instituição jesuítica. No Brasil os colégios jesuíticos ofereciam quase com exclusividade a educação secundária. Nos domínios de Portugal na Ásia havia sido a força dominante desde os primórdios da expansão portuguesa no Oriente, sendo que alguns dos jesuítas chegaram a ser mortos no cumprimento da ação evangelizadora. A Companhia de Jesus estava presente desse modo como fator de empecilho às reformas econômicas e educacionais de Pombal, o que explica, à primeira vista, a sua expulsão e proscrição. Quando da supressão da ordem, em 1773, contavam os inacianos com 578 colégios e 150 seminários em todo o mundo.

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