Pau-brasil: do estanco à extinção
Maria Elizabeth Brêa Monteiro
Mestre em História Política – UERJ
Pesquisadora no Arquivo Nacional
A importância do pau-brasil para nossa
história pode ser de certa forma medida pelas inúmeras denominações e
expressões cunhadas pelas quais ficou conhecida tal madeira de cor abrasada. Ibirapitanga,
orabutan, pau-da-rainha, pau-pernambuco, pau-rosado, pau-de-tinta,
brasileto são alguns nomes registrados nas crônicas e demais documentos que
relatam os primeiros anos da nova colônia portuguesa (...)
A Caesalpinia echinata, árvore muito
dura, coberta de espinhos e de cerne vermelho, suscitou o interesse e a cobiça
de portugueses e de mercadores de origens várias, não só por suas propriedades
tintoriais, mas também por suas qualidades para a construção de embarcações,
móveis e instrumentos musicais, em particular arcos para violino. A
"caça" ao pau-brasil nas matas brasileiras deu origem ao estabelecimento
do estanco por parte da Coroa lusa, como forma de proteger as matas litorâneas,
onde essa espécie se concentrava; controlar a sua exploração e garantir os
primeiros ganhos com a nova colônia. Calcula-se que dois milhões de árvores
tenham sido derrubadas no primeiro século de exploração, o que corresponde a
seis mil km2 da Mata Atlântica.
O pau-brasil se encontrou também no centro
da discussão a respeito do nome que a nova colônia passaria a adotar.
Denominada a princípio Terra de Santa Cruz, alguns cronistas atribuem à
abundância do pau-brasil na faixa costeira entre o Rio de Janeiro e o Rio
Grande do Norte, ao triunfo do Demônio e à ambição pelos lucros
"temporais" a mudança do nome dos novos domínios portugueses:
Porém como o
Demônio com o sinal da Cruz perdeu todo o domínio, que tinha sobre os homens,
receando perder também o muito, que tinha em os desta terra, trabalhou que se
esquecesse o primeiro nome [Terra de Santa Cruz] e lhe ficasse o de Brasil, por
causa de um pau assim chamado de cor abrasada, e vermelha, com que tingem
panos, que o daquele divino pau, que deu tinta e virtude a todos os sacramentos
da igreja...(...) deu o título de "província de Santa Cruz", que a
indiscreta política dos homens, ou a sua imprudente ambição mudou depois em o
de Província do Brasil, mostrando, sem o querer, que fazia mais estimação do
valor destes paus vermelhos, de que dependem os seus lucros temporais, do que
do inestimável preço daquele sagrado Madeiro, donde com outra melhor cor, e sem
comparação alguma, pendeu todo o nosso espiritual remédio.
Dentre a grande variedade de "páos
selectos, e fortes" existentes, o pau-brasil mostrou-se, desde os
primeiros anos de colonização, um produto de alto valor mercantil. A procura
por materiais corantes era crescente na Europa e a Mata Atlântica abrigava
grande quantidade dessa madeira, cujo custo para sua exploração era considerado
baixo, visto que a mão-de-obra indígena executava o duro trabalho de cortar,
torar e transportar os grossos e pesados troncos até os navios em troca de
"algumas roupas, camisas de linho, chapéus, facas, machados, cunhas de
ferro e demais ferramentas".] O lucro garantido por essa atividade, muito
superior ao realizado com as Índias ou a qualquer outro comércio como sementes
oleaginosas, escravos indígenas ou animais vivos, motivou o governo de Portugal
a estabelecer, logo cedo, contratos de arrendamento com mercadores que
perduraram até o século XVIII. Fernão de Noronha, um dos primeiros
contratadores, Pero Lopes de Souza e outros se encarregavam, de acordo com os
termos do contrato, de todos os gastos da extração, desde o corte até o
embarque nos portos marítimos, garantindo aos cofres lusos receitas
consideráveis.
Fernão de Noronha tomou o arrendamento,
certo de que havia incontável pau-brasil, cuja procura pela tecelagem europeia,
então em franca expansão, aumentava de ano para ano. (...) Ora, na terra de
Santa Cruz, podia o pau-brasil ser obtido mais proveitosamente em troca de
bugingangas, pelas quais o indígena haveria de fornecer a força de trabalho
indispensável para abater as árvores, torá-las e embarcá-las. O preço de custo,
em Lisboa, todos os gastos incluídos, não passava de ½ ducado, conforme
testemunho do veneziano Leonardo Cá Messer. Não somente resultava muito mais barato,
que na Índia, mas oferecia ainda a vantagem de não se exigir numerário para
pagamento das compras, ao contrário do que ocorria no insaciável mercado
indiano.
Nessa época um dos principais mercados de
distribuição do pau-brasil, juntamente com Inglaterra e Alemanha, localizava-se
na Itália, mais precisamente na cidade de Florença, que abrigava uma importante
corporação de tintureiros especializados em panos coloridos de vermelho. Não é
de se estranhar, portanto, que algumas embarcações enviadas ao Brasil no
período inicial de sua exploração tenham sido financiadas por ricos
comerciantes de origem florentina.
Assim, os altos lucros auferidos pelos
mercadores portugueses, os rigores do monopólio fiscal decretado pelo rei de
Portugal, a frágil defesa da costa brasileira e até mesmo as notícias um tanto
fantasiosas sobre as riquezas da nova colônia contribuíram para atiçar a cobiça
de mercadores estrangeiros, em especial dos franceses, resultando nas primeiras
disputas pelo litoral. Cristóvão Jacques, em 1526, e Pero Lopes de Souza, em
1530, tiveram que abater naus francesas, preludiando combates que se estenderam
durante as décadas seguintes em que, além dos europeus, desempenharam papel
importante os povos indígenas no litoral, com os quais alianças foram
construídas e desfeitas em troca do trabalho no corte e transporte do
pau-brasil.
Tal negócio exigia, pois, regulamentações
por parte da Coroa portuguesa para que a exploração do pau-brasil e sua
comercialização continuassem a apresentar a rentabilidade desejada. Além da
fundação de feitorias no litoral, em que se destacavam as de Cabo Frio e de
Pernambuco pelo volume de madeira armazenada, a exploração do pau-brasil
deveria obedecer a uma série de rigores próprios de atividades sujeitas a
monopólio real. O primeiro desses regulamentos - inscrito no Livro da viagem e
regimento da nau Bretoa, de 1511, que levou para Portugal, além de
raridades da terra (gatos maracajá, papagaios, macacos, saguis, além de
escravos índios), mais de cinco toneladas de pau-brasil - relaciona os
interditos a que a tripulação estava expressamente sujeita, sob pena de
castigos e outras penalidades em caso de desobediência.
E
sereis avisado de não tirar em terra, nem deixar tirar, Brasil nem outra coisa
alguma que da dita terra do Brasil trouxerdes sob pena de perderdes vossa
capitania e ordenado e receberdes aquela pena corporal que el-rei nosso Senhor
vos quiser dar, e os marinheiros e pessoas outras que o contrário fizerem
perderão seu soldo e serão obrigados a dita pena.
As proibições e as penalidades impostas
pelo descumprimento às regulamentações para essa atividade exclusiva do governo
metropolitano, que perduraram pelos séculos XVIII e XIX, podem ser observadas
na documentação do fundo Alfândega da Bahia (códice 141), onde se registram
provisões e alvarás de navegação autorizando o carregamento de itens do
comércio colonial e em que fica "proibida a embarcação de munições e
pau-brasil", sob pena de castigos estipulados em contrato, como degredo, perda
de bens entre outros. Na carta de foral datada de 6 de outubro de 1534, o rei
d. João III confirma a cessão de uma capitania de oitenta léguas na costa do
Brasil ao capitão Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso de Souza
(donatário da capitania de São Vicente), e dita as regras a serem seguidas. O
documento determina que todo o pau-brasil e outras "mercadorias
defesas", como especiarias e drogarias, pertenciam à Coroa portuguesa e o
embarque ou comércio sem licença implicaria a perda de toda a fazenda e o
degredo para a ilha de São Tomé. Os forais asseguravam o aproveitamento do
pau-brasil que se fizesse dentro do próprio país desde que não fosse abatido
por queimada, cuja prática incorreria nas penas determinadas. (...)
De acordo com o jesuíta João Lucio de
Azevedo, ainda no início do século XIX, o pau-brasil constituía receita
significativa para o erário, o que o levou a registrar: "tanto basta para
se reconhecer que o produto, em longo espaço de anos, não perdera seus méritos
para a Coroa". A crescente vigilância contra o extravio e contrabando de
itens "preciosos" para as finanças metropolitanas era insistentemente
recomendada por autoridades do reino. Com freqüência, instauravam-se processos
de devassa como forma de coibir o extravio de pau-brasil e punir os infratores.
Uma ordem expedida em 8 de abril de 1806 prometia liberdade aos escravos que
denunciassem contrabandistas de pau-brasil.
Quando o Brasil tornou-se politicamente um
país autônomo, o patrimônio do pau-brasil já estava visivelmente diminuído.
Todavia, sua presença, muitas vezes simbólica, permanece como um componente do
sentimento de brasilidade.
Oswald de Andrade, um dos grandes
escritores e organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, lançou mão do
pau-brasil como um símbolo do modernismo, juntamente com outras características
da cultura brasileira como a mestiçagem. A árvore emprestou seu nome a duas de
suas realizações: o Manifesto de poesia pau-brasil, editado no jornal Correio
da Manhã, em 18 de janeiro de 1924, e o livro de poesias Pau-Brasil,
publicado em Paris, em março de 1925, e que colocava em prática o programa
modernista que se contrapunha ao conservadorismo vigente.
Todavia,
nem a simbologia, as leis, as recomendações, as advertências feitas ao longo
dos anos, tampouco as autoridades instituídas em funções de juízes
conservadores, inspetores, fiscais de todas as categorias impediram que o
pau-brasil se tornasse uma espécie ameaçada de extinção. Declarada "Árvore
nacional do Brasil" (lei n. 6.507, de 7 de dezembro de 1978) e tendo sido
instituído 3 de maio como o "dia do pau-brasil", só muito
recentemente projetos de recuperação florestal vêm sendo empreendidos com algum
sucesso para a preservação da espécie que não só deu nome ao país, mas se
tornou um símbolo da nossa nacionalidade.
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